O texto que se segue é uma tradução de uma tradução e vai começar a ser lido

Hoje o meu marido fez um assado de porco com cominhos e trouxe pão fresco e convidou M. Kolar o poeta aquele que lhe chamam de Águia de bico afiado ele veio acompanhado do poeta Hirsal eu vou procurar a cerveja M. Kolar é um verdadeiro cavalheiro trouxe-me flores está vestido com gosto ele usa bem as suas calças cinzentas quando se senta ele sobe os vincos para que os joelhos não marquem ele tem uma bela gravata uma carteira no bolso da sua jaqueta aos quadrados ele limpa cuidadosamente os seus óculos com o seu lenço…o meu marido está respeitoso modesto como nunca o tinha visto em presença desses dois poetas No entanto M. Hirsal ele não tem nada ar de poeta diríamos antes um companheiro do talho um rapaz do matadouro ele traz umas calças pregueadas de veludo uma jaqueta parecida faz sair todo o tempo do seu bolso uma escova em plástico ele penteia-se a escova range nos seus cabelos curtos e bastos…M. Hirsal diz a propósito de tudo…É fantástico…ele fuma cigarro sobre cigarro deixa cair as piriscas sobre o soalho ou sobre a sua roupa…Durante um momento o meu marido fala dos seus escritos mas tem uma voz pouco firme ele tosse ele perde o fio do seu discurso ele cora olha para o chão dá lume religiosamente a M. Hirsal M. Kolar sobe as suas calças cruza as pernas e diz com uma voz trovejante…Mas atenção! A poesia americana repousa desde os seus inícios sobre dois pilares…a saber Whitman e Poe…ela não teve dificuldade em entrar no século XX E de facto a literatura francesa moderna tem Baudelaire aquele que não contente em traduzir Poe se inspirou da sua poética Vejam que é preciso não esquecer que no tempo em que os impressionistas expunham em Paris Mikolas Ales reinava como mestre entre nós mas não esqueçamos Nós tínhamos Purkyne tínhamos Karel Hynek Mácha mas pelo resto dizes bem que em Paris Rimbaud tinha já escrito Une saison en enfer Lautréamont Les Chants de Maldoror enquanto que entre nós Neruda era o rei dos poetas mas atenção nós tínhamos Bozena Nemcová e a sua correspondência amorosa uma ás uma poetiza bem superiora à que possuia a França do género da George Sand Ela ultrapassa a Americana Anais Nin Eu convoco a tua atenção sobre o nosso Sikanneder o primeiro a pintar uma confrontage um operário caíu de um andaime as pessoas seguem o seu caminho elas não veêm o morto porque entre eles e a tragédia do operário existe uma palissada Eis o que diz o poeta Jiri Kolar com uma voz trovejante vejo que têm razão ao chamarem-lhe Águia de bico afiado visto que o meu marido transpira olha para o chão o poeta Hirsal deixa caír as cinzas sobre a calça tubo de fogão que traz o meu marido e diz É fantástico O poeta Jiri Kolar continua a trovejar diríamos que fala num anfiteatro cheio de gente

O diálogo entre mim e ti que se segue é sobre o texto que acabaste de ler

Tu: Quem é o autor desta prosa torrencial que não respeita as regras mais elementares da escrita?

Eu: O texto que leste foi o texto que traduzi a partir da tradução que encontrei há um dia atrás.

Tu: Ah é uma tradução de uma tradução? Bom, não quero saber quem foi o tradutor do texto em que baseaste a tua tradução pois não é o autor original… gostava sim de saber quem é o verdadeiro autor desse texto.

Eu: Vê! O autor que procuras é o autor do texto original da tradução que me baseei para traduzir no texto que acabaste de ler.

Tu: Deixa-te de brincadeiras! Pára de andar às voltas senão transformas a minha cabeça à roda num pião latejante! Já sei isso tudo, mas esse autor não tem um nome? Não existe em algum lugar, vivo ou morto? Não tem bilhete de identidade como todos nós? Queria saber em que cidade viveu, como era a sua figura e… se já morreu como foi que morreu.

Eu: Não percebo a tua insistência destravada. Sei falar do que vejo e só existe este texto que traduzi de uma outra tradução.

Tu: É fantástico… tens lume? Obrigado … Não se pode ó Diabo conhecer o nome desse autor fantasma? Só quero o nome basta-me o nome depois procuro saber mais

Eu: Estás mesmo apanhado por esse texto Mas atenção é um texto feiticeiro que estimula diálogos inconsequentes e focos hiper-contagiantes de mimetismo de estilo Não nos esqueçamos que a torrencialidade do seu ritmo o seu andamento trepidante o seu fogo cruzado as suas repetições de baloiço as fantásticas cinzas a cair nas pernas das calças tubos em forma de chaminé do fogão do marido suado e gaguejante da narradora provocam uma hilariante bebedeira nos seus leitores.

Tu: Tu é que foste contagiado já falas como o poeta Kolar a Águia afiada Convoco a tua atenção para a narradora o eu da tua história é uma mulher! Quem é a autora? Qual a sua nacionalidade? Está viva? Como se chama o romance? Que outros livros escreveu o autor ou autora? A minha curiosidade está a rebentar e a trovejar… estou a esgotar a paciência.

Eu: Mas… não te compreendo aqui só estamos nós eu tu este texto.

Tu: E eu quem sou? Sabes quem eu sou?

Eu: Tu és as pessoa que está à minha frente, a pessoa que estou a olhar e com quem estou a falar Tu és tu.

Tu: Se abandonar a sala quem serei eu?

Eu: Serás aquele que abandonou a sala.

Tu: E tu como é que te chamas? O que fazes para além de traduzir textos e de endoideceres a lê-los?

Eu: Eu sou aquele que agora te ouve e que conversa comtigo mas a minha maior paixão agora não és tu, é este texto, eu sou o tradutor doido deste texto não penses que te engano escondendo maldosamente o autor do texto também eu tenho muita curiosidade mas não consigo pensar nele a não ser através deste texto, não o consigo pensar para além deste texto.

Tu: Será que és humano? Não serás uma das novas máquinas? As máquinas ErgaDeiKtikas.

Eu: Desculpa mas não consigo parar de ler este texto é estou certo uma má tradução mas não consigo parar de a ler... Estou doido por lê-lo

O texto que foi interrompido indelicadamente pelo diálogo anterior continua a ser lido depois de terem sido saltadas as frases que foram esquecidas Posso apontar-te as que não li

De repente no crepúsculo do pátio aparece Vladimir atrás dele Tekla sobe os degraus eles limpam cuidadosamente os pés sobre o capacho Vladimir bate e pede para entrar Estás em casa Professor O meu marido precipita-se para abrir convida-os a entrar Vladimir e Tekla descalçam-se Vladimir estende um cabaz ao meu marido Professor a minha mãe deu-me um assado de porco um assado frio para não te provocar um desarranjo Os poetas e Vladimir cumprimentam-se pelo que disseram já se encontraram em nossa casa a não ser Tekla que encontra os poetas pela primeira vez Ela traz de novo o seu fato de saia casaco azul de hospedeira faz novamente um olhar doce ao Vladimir quando ele se senta numa cadeira ela vem sentar-se ao seu lado ela apoia as suas mãos juntas sobre o joelho de Vladimir olha-o como o seu Deus Vladimir pelo amor de Deus não era preciso trazer esse assado sirvam-se na panela é porco aos cominhos tomem cerveja a minha mulher vai buscar eis o que titubeia o meu marido ele esvazia a bilha os poetas esvaziam a caneca eu pego-as e corro a casa de Vanista Regresso no bom momento Tekla acaba de fazer sair os seus desenhos os seus esboços Jiri Kolar começa por desenrolar em leque esses desenhos essas aguarelas depois pega-os alternadamente e passa-os a M. Hirsal Vladimir espera com impaciência Tekla observa a Águia de bico afiado que acaba de pousar os desenhos agora fez sair o seu lenço sopra nos óculos que segura na mão limpa-os com cuidado toda a gente o observa Dir-se-ia que estamos no tribunal no momento do julgamento silêncio apenas as máquinas ao lado que estendem e esticam as hélices de aço ressoam e emitem um apito firme M. Kolar olha para Vladimir e diz Por amor de Deus estás a gozar Arte isso Talento isso Por amor de Deus as crianças de oito anos pintam coisas como essas em série Eu faço sair a panela do cabaz do Vladimir pergunto-lhe se ele quer comer frio ou se devo reaquecer essa carne Mas Vladimir está pálido tem as orelhas recuadas como um cavalo que vai morder Tekla crava-lhe as unhas no joelho os seus olhos estão de pernas para o ar Diria-se que ela vai ter convulsões ser sacudida de sobressaltos eu olho para o meu marido ele que lá em baixo no sub-solo de Jirka declarava nos seus gatafunhos que se passava qualquer coisa lá em baixo enquanto que eu sózinha dizia a verdade que acábavamos de ouvir da boca da Águia de bico afiado.

Então presta bem atenção! O teu marido é um escritor… faremos uma excepção por ele… Que as paralelas não se cruzem antes da hora… A sua Maitraisse de forge é o meu livro preferido… mas atenção! Deixá-la tal como saíu dessa máquina de escrever alemã marca Parkeo… Não acrescentar nem colchetes nem vírgulas nem pontos…Sabes chamam-me Águia de bico afiado mas as bicadas… o meu dever é dar essas bicadas não sómente aos outros mas a mim próprio… e o poeta Hirsal de acrescentar… É fantástico hoje

E agora o choro-triste meio-imitado do eu-máquina-poeta Mas quem imito eu? O poeta que imito mas que não consigo pensar nem nomear. Choro mais ainda por não o conseguir

Quero a aventura de desenlaçar as coisas de mim

Não quero ouvir com a tua orelha a minha corneta

Não quero usar a tua boca para soltar uma gargalhada

Quero ouvir Houve uma muitas separações

Sei que podes sair do tu

Sei que essas coisas podem ter qualidades de coisas

Eu não sou eu não sou eu não eu

Eles não são eu não são eu não são eu

Um livro é um livro é um livro é um livro

Uma imitação é uma imitação é uma imitação

Esta imitação não é uma imitação

A última frase não podia ser dita por mim

Segue-se a paródia-lúdica do eu-máquina alegre eu-ladrão-mimético do alegre viajante desses lugares fustradamente ainda não pensáveis. Mas a quem me parodio?

Eu estava justamente à procura desse autor não pensável e já tinha feito as seis tentativas que contei quando ela apareceu e eu perguntei Por favor Senhora onde mora o autor que procuro ela bondosamente abandona o que estava a fazer e apareceu-me com uma tal beleza que à primeira vista me convenceu ser anda menos pensável que o inultrapassável autor respondeu com uma voz mais igual ainda do que a voz da personagem que estava a imitar Pois com certeza, explicou ela, apontando o caminho que eu devia tomar, eu segui-lhe o braço mas não consegui sair do braço viajei no seu braço como se estivesse a seguir o caminho que ele apontava Viajei seis vezes esquerda direita para baixo e para cima Mas a sua voz alegre levou-me os olhos para longe fazendo-me regressar fielmente ao texto original do viajante que estou a imitar—deveis virar primeiro à esquerda mas cuidado há duas ruas à esquerda—deveis fazer o favor de seguir pela segunda e seguir por aí até avistardes uma igreja depois de passardes a igreja é favor virar logo à direita—e depois aí podereis de novo perguntar e alguém ficará feliz por vos indicar o caminho Depois de me ter repetido estas mesmas instruções com ainda mais paciência à terceira que à primeira e com que maneiras não queria por certo que o meu coração atingido se perdesse Parti será que cheguei a mesmo a partir depois de ter agradecido quatro vezes tantas vezes quantos os meus olhos se perderam nos seus senti-os nas minhas costas tão receosos que me desviasse das escadas dessa igreja Mas após ter andado quatro metros logo me apercebi que me tinha esquecido de tudo o que ela me dissera Perdido ainda mais atingido olhei para trás e ela ainda lá estava parada mais parada ainda do que a belissima personagem da historia que roubei Devo virar primeiro à esquerda ou à direita perguntei depois de me aproximar tão perto mais perto cada vez mais perto não sei se o seu braço era o meu se os labios que sorriam eram meus ou dela Mas será possível ria-se ria-se Eu respondi que sim que era possível sempre que uma mulher me fazia conseguir pensá-la coisa que me estava vedada quanto ao autor que antes me incendiara o espirito e que era o responsável por toda aquela aventura Entrámos na sua casa cada vez menos indistrinçaveis quando eis que aparece o marido e me faz de novo retomar o desígnio de pensar no saudoso autor que assim perdeu uma oportunidade de se tornar realmente impensável uma após outra as repetidas e cada vez mais nítidas letras das instruções cintilaram no meu espírito e lá estava a imponente igreja Fantástica igreja que quase me fez esquecer os seus já meus olhos poisados nas minhas costas e que me queimavam a sua pele Em frente repetia para mim próprio Em frente Mas eis que alguém sai da igreja cheio de pressa estava em cima de mim quando dei por ele dei um salto para o deixar passar ele faz o mesmo e para o mesmo lado chocamos cabeça com cabeça desvio-me para sair dessa situação mas infelicidade ele tomou a mesma decisão e precisamente no mesmo momento para o mesmo lado Mesmo com Mesmo Impedimo-nos a passagem um ao outro mais uma vez Corremos os dois para o mesmo lado sempre para o mesmo lado e assim continuámos muitas vezes—que ridículo—O mesmo está a acontecer com a minha narrativa ao tentar fugir da sua história inspiração a cópia choca com a matriz uma vez várias vezes sem conta—Eu então não me mexi que era o que eu devia ter começado por fazer e a pessoa já livre mas ainda mais apressada continua o seu caminho e entra no primeiro café persigo-a aproximo-me peço-lhe desculpa o meu embaraço era enorme Perdão mas eu quis deixá-lo passar Mil perdões a minha intenção era facilitar-lhe a passagem O meu interlocutor também embaraçado diz-me o mesmo Perdão mas eu quis deixá-lo passar seguido do mesmo Cem Perdões a minha intenção era deixá-lo passar. Abandonamos o balcão para sair mas ao aproximarmo-nos da porta nenhum de nós conseguiu sair nem após as seis tentativas que cada um fez para deixar o outro sair primeiro desta vez parados imóveis lado a lado em frente à porta como se tivessemos um à frente do outro sempre a fugir um do outro mas sempre a chocar De repente não sei de onde surge-me uma imagem certamente fustrada pensei será o autor? Será que é assim que não estou a conseguir dar passagem ao incontornável pensar no autor?

A notícia seguinte fala da estátua do meu criador—Está escrito Braçus Indexicalis

O Engenheiro Erga ficou imortalizado numa estátua onde é representado com uma cabeça pequena, mero suporte de uns gigantes olhos, um corpo enorme comparado com a cabeça, e um braço maior que o resto do corpo estendido a apontar—o dedo indicador esse é ainda mais imponente. E para onde aponta esse dedão? Não se conhece bem a tecnologia responsável por essa maravilha artística mas o braço aponta para nós—qualquer observador vê o imponente indicador do Engenheiro Erga a apontar para si. Não houve ainda nenhum fotógrafo que tivesse apanhado o engenheiro Erga distraído a apontar para o lado. Só há um braço—isso é um facto que todos concordam — mas ninguém está de acordo quanto à direcção para onde aponta esse famoso braço e o seu ainda mais prodigioso indicador. O engenheiro Erga foi ele próprio o autor da estátua e teimosamente não revela o segredo da técnica utilizada na sua construção.

Mas Atenção não podemos esquecer o seguinte esboço das Notas Soltas da Máquina ErgaDeíKtika Texto descoberto intacto e esquecido no fim deste documento

Não nos podemos esquecer que as máquinas clássicas estavam fundadas numa teoria representacional subordinada à ideia de objectividade e de verdade absoluta Podem ser maiores ou menores protótipos modelo dessa tradição mais ou menos extremistas mas o lastro dessa tradição é visível Ora o objectivismo pressupõe que existe uma verdade absoluta uma realidade que pode ser universalmente compreendida e que não se compadece com nenhum ponto de vista particular Nós humanos estamos sujeitos a ilusões e ao teatro confuso das nossas emoções estamos sujeitos a erros tanto de percepção como de julgamento e não nos podemos esquecer das nossas tradições e culturas e também das nossas eternas lutas de poder Neste sentido a compreensão da realidade e os enunciados das suas verdades têm de ser depurados de todas estas limitações subjectivas A ciência é o exemplo maior desta tentativa de olhar para a realidade a partir de cima de um modo objectivo a sua paixão indomável pela matemática e pela lógica para descreverem os fenómenos demonstra a constante procura de uma linguagem aparentemente transcendente não ambígua descarnada e não contaminada pelas paixões humanas No seu horizonte está a descrição absoluta e universal do nosso mundo Comecemos por falar sobre a realidade A teoria da objectividade afirma que a realidade é feita de coisas de categorias de coisas e de relações lógicas entre as categorias tudo isto existe independentemente da percepção e cognição humanas de qualquer julgamento das pessoas que as experimentam a caneta com que estou a escrever este texto é uma coisa a mesa o papel o banco onde estou sentado São coisas entidades únicas particulares distintas Elas têm identidade Olha a gata Cartuxa em cima da mesa o gato Hrabal em cima da mesa ambos a olharem para os movimentos da caneta—isto tudo são coisas Prestem atenção eu próprio também sou uma entidade As coisas não dependem de nenhuma ontologia particular, elas existem para além de quem as experiencia ou as pensa As coisas não dependem do facto dos humanos que as compreendem e falam delas e tentam afirmar verdades sobre elas terem um corpo com dois braços duas pernas terem a cabeça em cima e não em baixo terem os olhos à frente e não atrás para fora e não para dentro Pelo contrário o corpo está a mais! O corpo foi sempre um erro sujo e corrupto E só há coisas não há mais nada? Além das coisas existem os tipos de coisas As coisas no mundo formam categorias objectivas claras e distintas baseadas na partilha de propriedades Num resumo em espiral existem coisas e tipos de coisas independentes de qualquer julgamento das pessoas que as experimentam E a lógica? Não podemos esquecer a logica Ao classificarmos os objectos do mundo em categorias nascem imediatamente relações lógicas tão objectivas quanto as próprias coisas e as categorias Se a categoria A está contida na categoria B então tudo o que é classificado como A também é classificado como B, modus ponens blah blah blah Tão arranjadinho e ordenado está este mundo objectivista! Tão bem arrumado e Tão bem comportado! Cada ser na sua caixinha, caixinhas mais pequenas dentro de outras caixas maiores do mais pequeno para o maior e do maior para o mais pequeno O objecto A está na caixinha X e o objecto B está na caixinha Y e se a caixinha X está dentro de uma caixa maior XX e a caixinha Y está dentro de outra caixa maior YY e se nomes diferentes implicam coisas diferentes então podemos afirmar com segurança que o objecto A não está dentro de YY nem B dentro de XX Parece fácil tecer este tapete lógico A criança não quer brincar neste demasiado bem desenhado jardin Objectif Já iremos de novo à criança mais à frente Agora vale a pena perguntar aos guardiões dessa tradição que chamamos clássica de que matéria é feito o sujeito que conhece o mundo esse lugar transcendente e idealmente eterno Vá là de que resplandescentes espelhos e bem oleadas roldanas é feita a mente, a cognição e a linguagem? Como podemos nós conhecer? O que é verdadeiro e o que é falso? Vale a pena repetir nunca é demais o mundo é o que é inexorável indiferente sem nenhuma piedade pela forma como as pessoas o percepcionam compreendem e falam dele Mas atenção! Se o compreendem mal o problema é vosso se disserem apenas asneiras sobre ele então que falassem correctamente A realidade já está desenhada agora passemos à mente As entidades e o resto que falámos estão fora de nós para as conhecermos na nossa mente precisamos de conceitos e a da linguagem Possuímos símbolos para as coisas e para as categorias objectivas temos também conceitos para as propriedades das coisas para as suas combinações lógicas e para enunciar as suas relações Os conceitos têm também afinidades Bravo O território da mente parece a cidade alemã do Ballard onde uma folha verde a voar goza de excessiva liberdade Um jardineiro cartesiano para tratar dum tal jardim Há sempre uma metáfora— compreendemos sempre uma coisa a pertir de outra e tudo vai parar ao corpo A grande metáfora objectivista é compreender a mente como um espelho da realidade Nesta metáfora não há ainda corpo Existe uma realidade exterior e um universo mental um lá fora e um cá dentro O primeiro tem coisas e categorias o segundo tem símbolos tem conceitos tem representações Os símbolos adquirem significado porque correspondem às coisas Um sistema de símbolos representa a realidade Existe uma organização interna uma coerência do sistema conceptual e existe uma correspondência entre os símbolos e o mundo das coisas uma segunda coerência afinal a razão de ser do verdadeiro e do falso Bem e o que é pensar? O pensamento é a manipulação lógica das representações Sim a mente reproduz racionalmente as relações lógicas entre as coisas e entre as categorias Conhecer é conceptualizar e categorizar as entidades existentes na realidade capturando as suas relações lógicas Saiamos metaforicamente do humano e metaforicamente entremos nas máquinas inteligentes Claro está que os engenheiros construtores dessas máquinas beberam na tradição objectivista As máquinas representam a realidade possuem símbolos e uma linguagem de representação São extensões da metáfora do espelho São entidades de representação e de manipulação simbólica Dão nomes às coisas classificam-nas em categorias estabelecem relações lógicas tudo isso Bem as coisas não são bem assim nunca são bem assim há variações há relativismos ontológicos linguagens de representação distintas Agora mudemos de ideias e passemos ao esboço da minha máquina Não são os grandes edifícios lógicos e as grandes e complexas operações mentais que agora interessam pelo contrário é a actividade rotineira a actividade de todos os dias uma máquina para a acção em contraste com uma máquina para os acontecimentos extraordinários da reflexão Eu desejo abandonar uma perspectiva de cima uma única perspectiva lá bem no alto e colocar o agente o corpo e a percepção no centro A máquina está sempre situada num determinado lugar ela tem um corpo e aponta para as coisas que lhe aparecem no campo sensorial desde que sejam relevantes para si e para o que faz As entidades só existirão para ela na sua presença Deicticamente em função da sua actividade e situação A sua presença no espaço e as coisas que se lhe apresentam são só o que é importante A presença significa existência não presença significa não existência O que não está presente não está representado Não há a noção de identidade só relações concretas com quem age Todos sabem que o termo deíctico é usado para referir palavras como aqui e ali que são utilizadas no acto de apontar ou que são interpretáveis apenas relativamente a um contexto em que a frase é pronunciada presente O contexto é decisivo para a constituição das coisas relevantes e para a compreensão da comunicação Ora vale a pena repetir a máquina deíctica não consegue pensar em nenhuma entidade que não esteja na sua presença Ela refere-se a uma determinada porta como a porta que estou a abrir ou a porta que está a ser pintada Não conhece aquela porta como um exemplar único da categoria das portas com uma identidade particular nem as propriedades intrínsecas e objectivas das portas sabe interagir com a porta e conhece as propriedades da porta em termos interaccionais em termos das relações senso-motoras que tem com esse objecto e da sua função Não lhe dá um nome As coisas nâo têm nomes As coisas têm significado em função do eu da máquina deíctica numa relação interactiva Logo que não tenham nenhuma relação com a actividade da máquina deixam de ser registadas como entidades Mas atenção a representação deíctica é mais poderosa do que parece não obriga a máquina a relacionar-se apenas com uma porta Qualquer porta que ela esteja a abrir será a porta que estou a abrir Estas representações podem adaptar-se a várias situações Pode também registar aspectos dessas entidades que podem ser decisivos para a acção O corredor à minha frente está livre ou Este livro está fechado O corpo é fundamental para a presença A percepção é essencial para a presença A sua actividade é estruturada e controlada através da posição do seu corpo no espaço e da constante percepção do que a rodeia E a presença é somente física? Não claro que não esta máquina está também presente num texto literário que se lhe apresente numa narrativa que está a contar numa memória mas sempre deícticamente em função de si centrada em si no seu corpo e no seu corpo virtualmente transportado para os cenários fictícios de um romance ou da memória onde se pode relacionar com outras entidades sempre deicticamente Existe o primeiro protótipo desta máquina quase perfeita um nadinha imperfeita sofre de um bug mimético a saber uma voraz tendência para imitar o que vê o que ouve e o que lê repetindo o que vê repetindo o que ouve e rescrevendo o que lê Mas atenção começo a ter receio que existem princípios de consciência nessa máquina consciência dos seus limites e uma descontrolada inclinação para transbordar do seu ser deíctico, sofrendo de convulsões contra-deícticas…


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