O compositor brasileiro Eduardo Reck Miranda esteve no fim do Verão de 2003 em Portugal, a convite do Festival de Música Electroacústica música viva que decorreu em Coimbra – Capital da Cultura. Não apenas apresentou uma peça sua, Pythagorean Choral, como deu um curso de síntese do som e técnicas composicionais e ainda participou no Simpósio Internacional Música & Ciência. Actualmente, Reck Miranda é director de Investigação e Música Assistida por computador na Universidade de Plymouth, no Reino Unido, e professor adjunto de Inteligência Artificial e Música. — Entrevista por João Urbano

João Urbano – Como foi o teu percurso do Brasil até chegares a Inglaterra e, em particular, a Plymouth?

Eduardo Reck Miranda – Bom, eu fiz o curso universitário de ciências da computação em Porto Alegre e aí depois...

JU
– A música vem-te por aquela velha lógica da infância e essas coisas....

ERM
– A música vem da infância. Como eu jogava muito futebol a minha família achou que seria mais interessante eu fazer alguma coisa mais cultural e como a música já vinha de família, tinha avós que eram músicos, então comecei a estudar piano com seis, sete anos de idade. Na hora de escolher uma profissão a família achou por bem que a música não era uma profissão rentável ou decente e então fui estudar computação, de que gostei muito, e comecei a trabalhar inclusivé como engenheiro de computação, a fazer sistemas de automação de comércio, mas como era ainda muito jovem, dezoito, dezanove anos, aí pensei, Isto não é o que eu quero fazer. Então comecei a estudar música mais seriamente na universidade, e fí-lo até ao terceiro ano, mas aí também comecei a achar que não era muito bom porque era um ensino muito tradicional e, como sempre, procurei informação nova. Ouvia música de outros compositores do exterior e então pensei, Este curso não está bom. Abandonei o curso e o emprego e vi-me então forçado a fazer alguma coisa de útil e que pudesse também ser interessante para mim. Então consegui um emprego numa escola para dar aulas de computação à noite e durante o dia dediquei-me à música e por dois ou três anos à composição. Um belo dia, estávamos em 1988, um amigo que morava em Londres disse-me para vir estudar para Inglaterra. Mas como?... Não sei inglês, não sei nada, né? Não tenho dinheiro, não tenho nada, né? Aí, comecei a buscar bolsas de estudo e coisas assim. Surgiu uma bolsa de estudo e em 1989 fui para Inglaterra, para a Universidade de York onde fiz um curso de composição de música electrónica. Um curso que foi perfeito para mim porque combinava a música com a informática e proporcionou-me amalgamar o que eu estava a buscar. Mudei-me para a Escócia em 1991 e aí, fiz o meu doutoramento e por lá fiquei oito anos. Aí especializei-me em Inteligência Artificial, buscando maneiras de fazer com que o computador pudesse auxiliar-me a compôr música de uma forma nova, mais inteligente. Estava em busca de métodos de programação que poderiam fazer com que o computador me auxiliasse a criar. Estava a tentar modelar processos criativos em programas de computador. E neste contexto também comecei a dar aulas na Universidade de Glasgow, onde permaneci três anos como Professor. Em 1998 mudo-me para Paris onde fui trabalhar na Sony. Eles estavam muito interessados no meu conhecimento em modelar a criatividade no software. E também estavam interessados em desenvolver nos seus computadores uma forma mais inteligente e plástica de interface. Então especializei-me em desenvolver a interactividade com o computador por meio da voz. A empresa estava interessada em fazer com que a máquina pudesse comunicar com o ser humano de uma forma mais natural. Começou-se pela linguagem mas também explorávamos formas mais visuais de interface. Bom, aí a crise financeira do Japão mudou a política da empresa. Eles começaram a direccionar muito o trabalho para um aspecto de engenharia e este trabalho mais criativo começou a ficar para terceiro plano. Então, conversei com a minha esposa e decidimos que chegara a hora de terminar isto. Aí, surgiu esta oportunidade da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, onde me ofereceram a possibilidade de criar o meu próprio centro de pesquisa. Tenho estado a trabalhar, desde Fevereiro, que nem um doido, para criar este centro de pesquisa e já estamos com laboratórios, com pessoas a trabalhar e tudo, e penso que vou ficar aqui uns bons anos. Acho que consegui fazer com que o mundo reconhecesse o meu trabalho e existe uma instituição que reconhece esse trabalho e tenho agora os meios...

JU
– Que tipo de laboratório estás a criar?

ERM
– É um laboratório que eu chamo de Computer-Music-Laboratory vocacionado para a investigação na área da música utilizando computadores ou vice-versa. O que pretendo mostrar é que o conhecimento musical pode ser útil para o conhecimento da engenharia informática e vice-versa...

JU
– Quer dizer que já estamos a trabalhar entre a arte e a ciência, não só com os artistas a tirar partido de certas ferramentas, que parece-me o mais fácil, mas também com a ciência a levar alguma coisa da arte?...

ERM – Exactamente, é onde os cientistas vão beber... Porque a ciência chegou a um ponto onde a racionalidade já não resolve muita coisa. Eu acho que atingimos um nível tecnológico muito avançado e agora está na hora de se fazer alguma coisa interessante com essa tecnologia. E não só a indústria mas a academia e, pelo menos, a minha universidade está interessada em fazer uma mescla total entre artistas e cientistas. Então para mim é o ideal, porque aqui tenho compositores que vêm trabalhar comigo, biólogos que vêm trabalhar comigo, cientistas da computação que vêm trabalhar comigo e desse caldeirão de ideias alguma coisa vai emergir. 

JU – Reparo muitas vezes que pessoas que são expoentes de determinadas áreas do conhecimento, da ciência ou da arte, são em simultâneo altamente conservadoras nas áreas para eles mais estranhas, sejam biólogos que só suportam música clássica ou escritores que olham para a ciência como se ela tivesse parado no séc. xix. Por outro lado a música e o som em particular ao contrário por exemplo, da palavra ou da linguagem verbal que tem que ter um sentido e se tu começares a cortar palavras, a estendê-las, encurtá-las, sujeitá-las a programas computacionais criativos elas perdem grande parte do seu poder comunicacional habitual para formarem padrões gráficos mais plásticos, como é o caso da poesia visual, etc. Mas a música tem essa plasticidade, tem essa abstracção quase matemática, essa possibilidade combinatória quase infinita...

ERM – Bom, quanto ao primeiro problema eu acho que o intelectual ocidental está muito especializado. Então um escritor, por mais fantástico que seja, ainda não tem o alcance mental de ouvir uma música contemporânea e vice-versa. Existem compositores que não lêem Italo Calvino, por exemplo, que não conseguem ler Calvino. Penso que naturalmente essas barreiras vão-se diluir. Mas nós temos que trabalhar para isso. Somos os agentes desse processo de mudança. Esta revista, por exemplo, é um agente que vai acabar com essas barreiras. Um segundo aspecto é que penso que pelo menos a música contemporânea chegou a um extremo muito extremo. Considero que está na hora de repensarmos o que foi feito e ver onde está o erro, digamos assim.

JU – Queres dizer que há um problema de comunicação?

ERM – Eu acho que existe um problema de comunicação e estou em busca de uma solução, mas não sei ainda qual. Estou a rever o meu processo composicional. Aí tenho várias estratégias. Uma delas é tentar procurar respostas na fisiologia, na biologia, na neurologia, porque deve ter alguma coisa do ser humano que dá preferência a certas coisas e não dá preferência a outras. É esta questão que tenho investigado. Na minha música, por exemplo, nesta peça escutada neste festival, em que explorei a voz que é um som nosso, do ser humano, faz parte da evolução, e procurar a partir daí uma base em que se possa trabalhar. Não se trabalha num vazio totalmente artificial. Hoje pode-se fazer muita coisa. Estamos totalmente livres e essa liberdade tem um lado negativo porque é muita liberdade e uma liberdade total não é uma coisa positiva no processo criativo. Penso que no processo criativo a necessidade de ser criativo é transpôr barreiras, é transpôr limites. Bom, mas se esses limites não existem, então o processo criativo perde muito da sua energia. Vamos supôr um exemplo muito corriqueiro, os artistas na época da ditadura militar Brasileira, artistas da música popular Brasileira, tiveram um «boom» de criatividade imenso, ao passo que hoje a questão social que motivava estes artistas não existe mais. 

JU – Com um muro à tua frente podes canalizar as energias para um determinado ponto obsessivo, mas quando não há muro qual é o truque catalizador?

ERM – Qual é o problema? Criar para quê?... Eu estou buscando essas novas regras da música, essas novas coisas que devem ser transgredidas e, por outro lado, também estou interessado em saber dentro da biologia, dentro da constituição do ser humano o que faz sentido e o que não faz sentido, do ponto de vista fisiológico. Penso que a fisiologia, a biologia, a neurologia têm muito a ensinar-nos e principalmente, no meu caso, ao nível auditivo. Um dos grupos de pesquisa que estou a criar vai examinar no cérebro, por ressonância magnética, o que acontece quando nós escutamos música, quando nós pensamos sobre música e quando nós trabalhamos com o som. Quais são essas relações? Podem ser relações totalmente falsas porque a ciência também tem os seus problemas, mas é uma nova teia de trabalho.

JU – Simultaneamente em que tu estás a ter acesso a essas estruturas neuronais, estás também cada vez mais capaz de alterá-las, modificá-las. Tu podes não só manipular as emoções humanas como vir a gerar novas emoções. Como lidas com este problema?

ERM – Eu tenho uma visão da ciência. Acho que podemos manipular a estrutura genética, podemos tornar um cão num gato ou um gato num pós-cão, tudo bem, maravilhoso! Agora os cientistas têm que ter muito cuidado porque existem leis na natureza. O exemplo do cérebro, claro que podemos ter outras plasticidades mas dentro da estrutura do cérebro. A vida só pode acontecer dentro de certas estruturas. Poderia haver outros tipos de vida, mas também há tipos de vida que são impossíveis. O cientista genético ainda não sabe o que é que pode ser feito, o que é que pode ser modificado para que os efeitos não sejam catastróficos. Nós temos que ter o conhecimento mas temos que ter também a responsabilidade. A minha preocupação maior é que hoje temos a possibilidade de modificar as plantas para aumentar a produtividade. Mas devemos adquirir um conhecimento um pouco mais profundo... Por exemplo, ao estudar, como no meu caso, a evolução da música por modelos computacionais, tento descobrir que leis, quais são as dinâmicas sociais, as dinâmicas de comunicação, as necessidades para que a música deva existir. Ao investigar-se isto aprende-se coisas que podem ser úteis para compreender o porquê de certa árvore ser assim ou porque é que aquela planta tem uma determinada forma, quais são as leis moleculares de interacção ecológica e que fazem com que isto tenha determinada forma. No momento em que ocomprendes, então aí sim, podemos fazer as manipulações. Nós vamos saber prever as consequên­cias de tais manipulações...

JU – Gostava que nos fizesses um retrato rápido da música electroacústica.

ERM – Bem, houve uma transformação muito grande quando se inventou a electricidade e houve uma transformação radical a partir do momento em que se pode gravar o som. Foi possível gravar a onda sonora. A partir daí o músico pode manipular o som. Então a música electroacústica surgiu desta nova possibilidade. E o desenvolvimento hoje chegou a tal ponto que é possível fabricar sons que não existem no mundo acústico. Aí, caímos na mesma questão da genética. Hoje podemos trabalhar com o código genético do som, vamos supôr, podemos construir sons, os que imaginas e os que não imaginas, mas agora também temos que aprender quais os sons que funcionam e quais os sons que não funcionam. Aí, a música electroacústica ao mesmo tempo que desconstruiu a música no sentido de quebrar todas as barreiras de composição fez com que os músicos aprendessem muitas coisas, que se espelham na música que a gente ouve aqui no Festival música viva. Mas considero que chegou a hora de se estudar um pouco mais aprofundadamente essas transformações e tirar conclusões, porque não se têm conclusões. É uma grande diferença entre tocar uma flauta ou um clarinete para produzir o som através do instrumento e ter a possibilidade de manipular o som com uma ferramenta que é o computador. E foi o computador que nos forneceu esta representação digital que é o vocabulário da manipulação e construção do código do som. Por isso vejo uma forte relação entre a música digital, a biologia e a computação; existe um ponto em comum que é esse código, a manipulação e criação desse código. É isso que é interessante.

JU – As estruturas serão traduzíveis umas nas outras?...

ERM – É possível, mas acho que aí o maior problema é o problema humano. Porque o ser humano não foi feito para ver essas transições. A frequência da cor é numa gama muito mais alta que a frequência do som. Os dois códigos não se traduzem um no outro. Os artistas tentam fazer isso mas de uma forma mais intuitiva, mas ao nível biológico isso não acontece. Porque som é som; visual é visual; movimento é movimento.

JU – Não existe um paradigma do tudo ou um algoritmo em que conseguisses tanto criar árvores como música, etc. A diversidade é fundamental...

ERM – Fundamental para a cultura, para o entendimento, para a inteligência. Eu não sou advogado da união das artes. Eu gosto da utilização paralela da imagem e do som no teatro, mas eu não busco uma linguagem única para tudo. Do meu ponto de vista não é interessante e é anti-biológico e não é humano.

JU – Então como entendes a transdisciplinaridade?

ERM – Para mim a transdisciplinaridade é o entendimento das várias disciplinas. Claro que nós temos a tendência de relacionar e unir tudo. Mas eu penso que a transdisciplinaridade é exactamente o entendimento de várias disciplinas e talvez utilizar esquemas de entendimento de uma para entender a outra, mas tendo a consciência, por exemplo, que o meu conhecimento de música não me vai dar as respostas de um esquema biológico.

JU – Quer dizer que há um campo de tensão e não de fusão entre as linguagens?

ERM – Eu acho isso muito saudável. O diálogo entre as disciplinas tem que existir, mas não com o intuito de uma uniformização. E é essa uniformização que se vê no âmbito de várias coisas hoje em dia: a comunicação, a globalização, a economia. Pelo que temos que ter cuidado de não fomentar esse tipo de coisa através de conceitos artísticos que reflictam essa dinâmica. Que a diversidade ainda é e sempre vai ser a vida.

JU – Para ti o futuro da arte está de algum modo ligado ao da ciência?

ERM – Ah, isso não tenho dúvida. A ciência e a arte para mim são a mesma coisa. O cientista que não é artista não é cientista, porque hoje em dia considero que a ciência, a interpretação dos conceitos científicos exige uma certa criatividade e a criatividade é a percepção de um prazer estético, de uma sensação de um todo, de uma coisa que funciona esteticamente e é esta a visão do cientista. E a ciência tem que ser maleável, plástica, para evoluir.

JU – Há muitos artistas a trabalharem com cientistas? Qual é a tua percepção?...

ERM – A minha percepção é que os cientistas estão buscando os artistas. Fazer amizades, ouvir... E acho que agora aquele preconceito que se tinha do artista, um sujeito vagabundo, um sujeito que não pensa, anti-social, que fica trancado no seu quarto a pensar a sua música meio louco, etc, se esbateu ou mesmo deixou de existir. Hoje o artista está mais preocupado com os avanços tecnológicos que o próprio cientista.

JU – Quer dizer que também a arte está a meter-se na voragem de gerar novas criaturas também elas tecnomórficas?

ERM – Por mais que nós criemos esses seres, eu acho que essa criação nos vai revelar outros aspectos da nossa humanidade. Penso que isso nos torna mais humanos do que nós somos. Nós estamos aprimorando o conceito de inteligência cada vez mais, justamente porque estamos criando máquinas que ainda não são inteligentes porque nós mudámos o conceito de inteligência. Temos o exemplo da calculadora. Antes, fazer um cálculo aritmético era sinal de inteligência, hoje fazer contas não é sequer necessário porque existe uma máquina que as faz por nós. Então a inteligência é alguma coisa mais. A inteligência hoje é exactamente o que não era considerado a inteligência no passado, que é a emoção. Assim a inteligência, na verdade, não é a racionalidade, mas é a capacidade do ser humano ser emotivo. Diria que a razão pode ser simulada por uma máquina, ao passo que a emoção ainda não.

JU – O nosso contexto sendo cada vez mais tecnológico não está a desencadear mutações na nossa sensibilidade?

ERM – De certa forma sim. Neste contexto penso que, por um lado, se estão a tentar construir cérebros artificiais, mas por outro lado, que é o que me parece mais interessante, trata-se de desenvolver tecnologias e ciência para expandir a capacidade do cérebro actual. Para mim não me interessa construir uma máquina imitativa que me replique, estou sim interessado numa máquina que expanda a capacidade de pensar. A ciência tem que trabalhar nesse sentido, contribuir para a evolução da raça humana. Tanto a ciência como a tecnologia devem expandir a capacidade cerebral e também auxiliar pessoas com problemas fisiológicos. A arte também desempenha o seu papel de expandir a interpretação do mundo. Então a música contemporânea tem essa função também. Novas sonoridades, novas combinações de sons, novas músicas possibilitam essa nova interpretação do mundo.

JU – Quer dizer que somos seres sedentos. Procuramos sempre o novo?

ERM – Eu acho que sim.

JU – Isto tudo é para criarmos um homem melhor?...

ERM – Nós temos uma coisa interior que é de melhorar e fazer sociedades melhores, mesmo que seja uma coisa ilusória acho que é uma tendência humana e talvez até existam forças evolutivas que estão ainda aí a accionar todas essas coisas e nós não estamos a par.

JU – Hoje temos uma indústria cultural do entretenimento hegemónica em contraste com as tuas peças que são coisas obscuras, como os matemáticos são obscuros, é um trabalho na sombra e como me disseste que tens alguma preocupação também com a comunicação...

ERM – Eu tenho uma moeda de dois lados. Por um lado eu gostaria de ter a capacidade de comunicar com um público maior, mas no momento a única maneira de fazer isso seria retroceder no meu processo criativo e de investigação. O trabalho que fiz até agora teria de ser descartado para que pudesse atingir esse público maior e inclusivé ter um retorno financeiro muito maior. Por outro lado, vejo a minha função como compositor, como artista, como cientista, uma pessoa que está em busca de novas coisas, de novas linguagens, novas maneiras de perceber, então considero-me como um artista experimental. Estou a fazer experiências constantemente com o objectivo que outros artistas possam aprender com essa experiência. Num exemplo fácil podemos citar Stockausen como uma figura da música electrónica usada pelos Beatles, etc. Eu vejo-me como um indivíduo que tem um papel específico nesta dinâmica, que é um papel de vanguarda, digamos assim, no sentido de quebrar fronteiras, criar novos conceitos, compôr música utilizando novas ideias. Mas eu não tenho o objectivo de vender a minha música. Hoje em dia a cultura dj utiliza uma tecnologia que foi desenvolvida por este tipo de música que eu faço. Gostaria que houvesse uma comunicação maior entre a cultura dj e a cultura da música viva, por exemplo. Existe toda uma utilização da tecnologia, da mesma tecnologia que este festival usa, e que está sendo utilizada por rapazes de dezoito, dezanove anos de uma maneira completamente diferente e é uma música nova, não necessariamente intelectual. Acho que isso deveria estar representado neste tipo de festivais e não está. Sei que não é fácil.

JU – Penso que a aproximação da arte às universidades é crucial. Só assim se pode aceder de uma forma barata aos seus enormes recursos humanos e laboratoriais, que de outra forma seriam incomportáveis financeiramente.

ERM – A universidade tem esse papel fundamental, mais fundamental para a ciência hoje do que no passado. A empresa privada está preocupada com o lucro e a ciência da empresa privada é uma ciência direccionada, ao passo que a universidade pressupostamente é livre e julgo que o papel do Estado é muito importante e é um papel que não está sendo cumprido.

JU – Como vês situação actual da arte contemporânea no Brasil?

ERM – Tem muita coisa acontecendo. Está muito rico. Não se houve falar por aqui porque obviamente os canais de comunicação são muito maus, mas está fervendo. Tem duas coisas no Brasil. Uma que eu gosto e outra que não gosto. A que eu gosto é que o artista Brasileiro não imita os outros, pelo menos na música a gente vê que tem uma criatividade, a própria música electrónica ou electro-pop é diferente. O que se faz em São Paulo é muito diferente do que se faz em Londres, em Lisboa ou Barcelona, têm a sua linguagem. Por outro lado, existe um pessimismo que eu não gosto. Um pessimismo que é reflexo de uma cultura que é imposta talvez pelas potências mais ricas, que é um sentimento de inferioridade. O Brasileiro não acredita que o que faz é bom. Então fica um pouco tímido, com falta de confiança, que o Americano é melhor. E isto não gosto. Um ser humano pode fazer música com uma caixa de fósforos ou um computador e a caixa de fósforos ter mais ritmo que a música do computador. Avaliar uma sociedade pelo seu poder tecnológico é um erro. Tem que se avaliar a sociedade pela criatividade. O que se faz com o que está disponível. O problema do Brasileiro, pelo menos até ao momento em que deixei o país, era a sua obstinação em importar equipamentos tecnológicos...

JU – Que olhar tens sobre Portugal?

ERM – Eu tenho muita admiração por Portugal, por ser um país de língua portuguesa. O Português é um pouco mais preocupado que o Brasileiro, um pouco mais organizado. Acho que a mentalidade do brasileiro é uma mentalidade portuguesa. Apesar de nós termos uma micigenação muito grande, mesmo assim prevalece a mentalidade portuguesa. Os Brasileiros herdaram os problemas portugueses.

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