Esta é uma exposição cujo tema principal é a meteorologia. Não é a primeira vez que o nosso trabalho se apropria desta matéria. Já em projectos anteriores se pode sentir um certo ambiente fenomenológico que se refere ao ar. No entanto, parece ser adequado esclarecer de que forma este conceito é tornado complexo na obra para propormos uma exposição que se autonomiza dos projectos anteriores sem deles estar desagregado.
Diria que para nós a meteorologia é entendida no seu sentido mais aristotélico, isto é, sem pensar na previsão atmosférica que caracteriza o prognóstico do tempo. Convém dizer que o meteoro, o objecto da meteorologia, designa inicialmente os fenómenos que percorrem o ar e interagem com os outros elementos. Dessa maneira, a meteorologia grega, quando se aproxima da metafísica, procura antes descrever os movimentos do ar mais incertos, tentando explicar a rarefracção dos corpos e a grande diferença entre os corpos sólidos, o material e o que subtilmente se aproxima do sopro do vento até ao inexistente. A metodologia aristotélica para o meteoro proporciona uma interpretação daquilo que entre a terra e o céu ocorre como acidental, como excepção. É por essa razão que a meteorologia se distingue das outras disciplinas da física: pela dificuldade que oferecem as descrições dos fenómenos e pela inacessibilidade da observação das suas causas. Assim, em Aristóteles podemos ler como se condensam as nuvens, como o ar seco e o húmido dão origem ao trovão e ao relâmpago e como se forma o furacão e a tempestade. Diz ele que a natureza do meteoro é uma perplexidade, mas que ainda assim alguns fenómenos admitem uma tentativa de explicação. E, lendo actualmente esses primeiros passos na investigação da natureza eles apresentam uma estética clarividente, porque se admiram com o real e procuram com a imaginação o que se esconde na naturalidade do mundo, isto é, como a presença deste é tão própria e fugaz ao mesmo tempo. Essa ideia de que o mundo natural se furta a uma captura é o que se descobre quando observamos todos os gestos da natureza que são irreproduzíveis e que nomeiam singularidades, acontecimentos únicos.
Entendamos que a alma para alguns pré-socráticos corresponde necessariamente à experiência de um corpo cuja matéria é de tal forma delicada que a sua explicação apenas pode ser equiparada ao ar.  Anaxímenes, por exemplo, atribui uma grande importância metafísica ao ar e não é por acaso que ele nos diz que o sopro é a última coisa a sair do corpo e que essa derradeira exalação transporta o fogo da alma. Precisamente, porque o movimento dos corpos animados ou inanimados parece estar dependente do ar, pois um ser vivo só se mexe se respirar e a poeira só se solta do chão se apanhar vento.
Da mesma forma, o ar é a primeira experiência do intervalo, da separação das coisas que repousam no mundo, da separação do sujeito com o céu divino e da solidão implícita também quando o sujeito se separa da existência, porque o percurso do espírito que vai do ser ao não-ser prende-se a um único suspiro e essa aleatoriedade da respiração é, novamente, uma perplexidade.
Nos gregos mais antigos existe mesmo uma estreita relação entre o ar, o vazio e o infinito, seja porque a alma é entendida como uma partícula tão subtil que se evapora na morte, seja simplesmente porque o ar até ao horizonte é a perder de vista. Porém, segue que o ar é ainda qualquer coisa e prova disso é o argumento que Aristóteles refere na Physica: quando os filósofos queriam negar a existência do vazio enchiam odres de ar e apertavam-nos, mostrando que tinham efectivamente resistência, portanto que o ar tinha qualquer coisa, que havia um ser mínimo no ar.  
Mas esse ser aéreo indiscernível, o ser que não se vê nem se sente, faz alusão também ao mistério da profundidade das coisas. Profundidade, ou seja, a noção que o mundo se manifesta e que nunca assistimos ou assistiremos à sua criação.  Na Teogonia e na poesia Órfica existem, para além do ar luminoso, outros tipos de éteres; o ar escuro, o nevoeiro e a noite, têm propriedades distintas. Assim, no Tártaro, mesmo no fundo do inframundo , só existe bruma e o ar torna-se mais espesso e impenetrável. A diferença entre a noite e o dia é uma ideia atmosférica e o obscuro da noite revela mais impressões sobre o vazio do que o ar do dia. Segundo Aristófanes, foi dentro desse abismo que a Noite e o Caos geraram o primeiro Ovo dando origem ao homem, como se este tivesse nascido do nevoeiro, partindo da sombra para a luz e do nada para a existência.
Uma ideia de meteorologia como esta resulta pois de um princípio de estranhamento e de conjectura: estranhamento dos fenómenos e conjectura da vida; de como esta é concomitante com o mundo e de como mundo e a vida precisam de fazer sentido em conjunto. A seu modo particular, esta exposição refere-se a uma perspectiva do tempo sobre aquilo que é do âmbito da perplexidade. Essas operações são melhor entendidas se pensarmos que a arte se ocupa ainda das margens e que os seus enunciados, por se debruçarem sobre o excêntrico, fornecem pistas para o que se esconde.


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